A segurança alimentar e nutricional diz respeito ao acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para a garantia de uma alimentação adequada.1 É um direito humano, que não deveria comprometer o acesso a outros direitos essenciais2 e tem como maior obstáculo a pobreza, além de outros fatores, como desastres ambientais, conflitos e guerras.
O seu oposto – a insegurança alimentar – abrange situações que vão desde o comprometimento da qualidade da alimentação, até a fome propriamente dita.3 Em geral, trata-se de um processo progressivo, individual e domiciliar, que se inicia pelo consumo de alimentos menos saudáveis, acompanhado ou seguido por porções cada vez menores e pela redução do número de refeições, podendo chegar à ausência completa de alimentos – experiência que costuma ser vivida primeiro pelos adultos e, depois, pelas crianças e adolescentes do domicílio.
Na ausência de trabalho e/ou renda suficiente para o sustento familiar, as ações de políticas públicas, como as de transferência de renda, acesso à cesta básica e outros programas com fornecimento ou subsídio de produtos e serviços relacionados à subsistência, são, provavelmente, os recursos mais efetivos para a redução do número de pessoas em situação de insegurança alimentar.
A Fundação Seade iniciou, em 2022, a Pesquisa sobre Segurança Alimentar4 no Estado de São Paulo, levantamento anual que investiga a percepção da população sobre segurança e hábitos alimentares. A pesquisa abrange as estratégias familiares para sua alimentação, as consequências da falta de acesso a alimentos e o ingresso a programas sociais.
Os resultados, para os três períodos da pesquisa (julho a agosto de 2022, julho a setembro de 2023 e julho a setembro de 2024), são analisados para o total do Estado, Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e interior, incluindo famílias com e sem presença de menores de 18 anos e faixas de renda familiar mensal.
Ao final do texto, apresenta-se a análise de 2024, a partir de um conjunto de gráficos organizados por regiões metropolitanas, grandes municípios (mais de 500 mil habitantes) e regiões administrativas (RA). Espera-se que o detalhamento dos dados no território e das características das famílias na apresentação das informações possam ajudar no desenvolvimento de outros estudos e servir como parâmetros para políticas públicas no combate à fome e à insegurança alimentar.
58% das famílias deixaram de comprar algum alimento
Quando o dinheiro não é suficiente para as despesas da casa, incluindo as de alimentos, as famílias precisam restringir suas aquisições e deixam de comprar um ou mais itens que compõem sua alimentação. Em 2024, 58% das famílias entrevistadas haviam deixado de comprar algum item de alimento nos três meses anteriores à pesquisa, parcela que correspondia a 68% em 2022 e 55% em 2023.
Essa restrição afeta, principalmente, as famílias em que há algum morador menor de 18 anos (que passaram de 64% em 2023 para 68% em 2024) e as mais pobres – que recebem até um salário mínimo por mês (79%, nos dois anos) e mais de um até três salários mínimos (de 59% para 65%). Entre 2023 e 2024, registrou-se crescimento para as famílias no interior e na RMSP (4 e 3 pontos percentuais, respectivamente).
Gráfico 1 – Proporção de famílias que deixaram de comprar algum item de alimento nos últimos três meses, por região e perfil familiar
Estado de São Paulo, 2022-2024, em %
Entre 2023 e 2024, manteve-se estável em 82% a parcela de famílias que passaram a comprar marcas mais baratas de alimentos, mas diminuiu na comparação com 2022, quando correspondia a 86%. Em relação ao ano anterior, houve pouca ou nenhuma alteração entre as famílias mais vulneráveis, que são as que apresentam as proporções mais altas: com moradores menores de 18 anos (estável em 87%) e mais pobres, com renda até um salário mínimo (de 92% para 93%) e mais de um até três salários mínimos (87%, nos dois anos).
Gráfico 2 – Proporção de famílias que passaram a comprar marcas de alimentos mais baratas nos últimos três meses, por região e perfil familiar
Estado de São Paulo, 2022-2024, em %
Do total das famílias pesquisadas em 2024, 71% deixaram de comer fora de casa nos últimos três meses para economizar, proporção ligeiramente maior do que as de 2023 (68%) e 2022 (69%). Em 2024, 12% continuavam comendo fora e 18% não tinham esse hábito.
As maiores proporções de famílias que deixaram de comer fora estão entre aquelas com algum morador menor de 18 anos (78%) e aquelas com renda de mais de um até três salários mínimos (76%). Para as famílias com maior renda, 23% continuavam comendo fora, percentual mais que três vezes superior aos das mais pobres (6% entre as que recebem até um salário mínimo e 7% entre as que têm renda de mais de um até três salários mínimos).
Gráfico 3 – Distribuição das famílias, por situação de deixar de comer fora para economizar nos últimos três meses, segundo região e perfil familiar
Estado de São Paulo, 2022-2024, em %
22% das famílias deixaram de fazer alguma refeição e 15% passaram fome
Entre 2023 e 2024, houve piora no acesso à alimentação saudável e variada, uma vez que quase dois terços das famílias paulistas (62%) precisaram diminuir a variedade e a qualidade da alimentação nos últimos três meses por falta de dinheiro, proporção que era 58% em 2023. Em relação a 2022, no entanto, a situação atual melhorou, diminuindo de 66% para 62%.
Por região, entre 2023 e 2024, houve aumento na RMSP (de 60% para 62%) e no interior (de 57% para 61%). Nesse período, essa proporção entre as famílias com moradores menores de 18 anos ampliou-se de 67% para 70% e entre aquelas com renda até um salário mínimo, de 84% para 86%, destacando-se a discrepância entre essa parcela e a das famílias com maior renda (31%).
Gráfico 4 – Proporção de famílias que tiveram alimentação menos saudável e variada por falta de dinheiro nos últimos três meses, por região e perfil familiar
Estado de São Paulo, 2022-2024, em %
A preocupação que a comida acabasse antes de poder comprar ou receber mais atingia 55% das famílias em 2024, parcela maior que a de 2023 (53%) e menor que a de 2022 (59%).
Esse tipo de preocupação, entre 2023 e 2024, variou de 55% para 56% das famílias na RMSP e de 52% para 55% no interior. Entre as famílias com moradores menores de 18 anos, a proporção aumentou de 63% para 67% e para aquelas com um a três salários mínimos, de 56% para 61%, mas afeta mais intensamente os mais pobres (estável em 82%), com grande diferença na comparação com os mais ricos (25%, em 2024).
Gráfico 5 – Proporção de famílias em que houve preocupação que a comida acabasse antes de poder comprar ou receber mais comida nos últimos três meses, por região e perfil familiar
Estado de São Paulo, 2022-2024, em %
Em 2024, para 41% das famílias do Estado essa preocupação com a falta de comida virou realidade, parcela menor que a de 2022 (44%) e superior à de 2023 (38%). Os grupos mais afetados pela falta de comida nos últimos três meses foram as famílias com menores de 18 anos, com aumento de 46% para 51%, entre 2023 e 2024, e aquelas com renda familiar de até um salário mínimo, cuja parcela cresceu de 67% para 71%.
Gráfico 6 – Proporção de famílias em que a comida acabou antes de ter dinheiro para comprar mais nos últimos três meses, por região e perfil familiar
Estado de São Paulo, 2022-2024, em %
Em 22% das famílias houve pelo menos uma pessoa que deixou de fazer alguma refeição nos últimos três meses, com aumento de 2 pontos percentuais em relação a 2023. Essa parcela ampliou-se mais intensamente nas famílias com morador menor de 18 anos, de 25% para 29%, e naquelas com renda de até um salário mínimo, de 42% para 47%, no mesmo período.
Gráfico 7 – Proporção de famílias em que alguém na casa deixou de fazer alguma refeição porque não havia alimento suficiente nos últimos três meses, por região e perfil familiar
Estado de São Paulo, 2022-2024, em %
A falta de comida ou de dinheiro para comprar algum alimento provocou fome em 15% das famílias paulistas, sendo 19% entre aquelas com menores de 18 anos e 34% entre as mais pobres, refletindo elevações de 2 p.p. para as primeiras e de 3 p.p. para as mais pobres.
Gráfico 8 – Proporção de famílias que passaram fome porque não havia comida nem dinheiro para comprar nos últimos três meses, por região e perfil familiar
Estado de São Paulo, 2022-2024, em %
16% das famílias receberam cesta básica
Os programas de transferência de renda, em especial os que são condicionados à frequência escolar e cuidados com a saúde básica, têm sido identificados como importante fator para a melhoria do padrão de vida da população mais pobre. A distribuição de cestas básicas e o pagamento do gás de cozinha para que essas famílias possam preparar suas refeições são, também, algumas das ações que ajudam a melhorar a alimentação e reduzir a fome.
No entanto, nem sempre a distribuição das cestas atinge o número de famílias que precisam e nem sempre suprem as necessidades de toda a família. Apesar da parcela de famílias com alguém que deixou de se alimentar em alguma das três refeições diárias ser de 22% em 2024, apenas 16% do total de famílias receberam cesta básica nos últimos três meses, mesma proporção de 2023 e menor que a de 2022 (19%). Entre 2023 e 2024, o recebimento de cesta básica passou de 20% para 21%, para as famílias com presença de menores de 18 anos, e diminuiu de 27% para 25%, para as mais pobres.
Nesse período, segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), 16% das famílias do ESP receberam o Bolsa Família.5
Gráfico 9 – Proporção de famílias em que alguém recebeu cesta básica nos últimos três meses, por região e perfil familiar
Estado de São Paulo, 2022-2024, em %
DESAGREGAÇÃO REGIONAL
Famílias que deixaram de comprar alimentos
Em 2024, 62% das famílias da Região Metropolitana da Baixada Santista e do município de Campinas e 61% das famílias de Guarulhos deixaram de comprar algum item de alimento nos últimos três meses.
Por região administrativa (RA), as maiores proporções foram registradas nas RAs de Barretos (66%), Santos (62%) e Marília (61%).
Gráfico 10 – Proporção de famílias que deixaram de comprar algum item de alimento nos últimos três meses
Regiões metropolitanas e grandes municípios, 2024, em %
Gráfico 11 – Proporção de famílias que deixaram de comprar algum item de alimento nos últimos três meses
Regiões administrativas, 2024, em %
Famílias que passaram a comprar marcas mais baratas
A maioria das famílias precisou trocar as marcas de alimentos que costumavam comprar por outras mais baratas, destacando-se as parcelas na RM da Baixada Santista (83%) e em Guarulhos (83%).
As famílias nas RAs de Marília (86%), Presidente Prudente (84%) e Santos (83%) também foram as que mais fizeram essa troca.
Gráfico 12 – Proporção de famílias que passaram a comprar marcas de alimentos mais baratas nos últimos três meses
Regiões metropolitanas e grandes municípios, 2024, em %
Gráfico 13 – Proporção de famílias que passaram a comprar marcas de alimentos mais baratas nos últimos três meses
Regiões administrativas, 2024, em %
Famílias que deixaram de comer fora de casa
Deixar de comer fora de casa é outra estratégia para conseguir economizar e foi utilizada por 73% das famílias na RM de Campinas e por 72% na RM de Sorocaba e nos municípios de Guarulhos, Campinas, Ribeirão Preto e Sorocaba.
Deixaram de comer fora 77% das famílias na RA de Presidente Prudente, 74% na RA de Bauru e 72% na RA de Campinas.
Gráfico 14 – Distribuição das famílias, por situação de deixar de comer fora para economizar nos últimos três meses
Regiões metropolitanas e grandes municípios, 2024, em %
Gráfico 15 – Distribuição das famílias, por situação de deixar de comer fora para economizar nos últimos três meses
Regiões administrativas, 2024, em %
Famílias que tiveram alimentação menos saudável e variada
A falta de dinheiro fez com que 67% das famílias na RM da Baixada Santista tivessem uma alimentação menos saudável e variada. Entre os grandes municípios, destacam-se as proporções em Guarulhos (64%) e Osasco (63%).
Por RA, as maiores parcelas estão entre as famílias de Santos (67%), Barretos e Marília (63%).
Gráfico 16 – Proporção de famílias que tiveram alimentação menos saudável e variada por falta de dinheiro nos últimos três meses
Regiões metropolitanas e grandes municípios, 2024, em %
Gráfico 17 – Proporção de famílias que tiveram alimentação menos saudável e variada por falta de dinheiro nos últimos três meses
Regiões administrativas, 2024, em %
Famílias que se preocuparam que a comida acabasse
Em pouco mais da metade das famílias do Estado de SP houve preocupação que a comida acabasse em suas casas antes de conseguirem comprar ou receber mais comida, proporção que chegou a 60% em Guarulhos e 59% na RM da Baixada Santista.
As porcentagens registradas nas RAs de Barretos (63%), Santos (59%), Franca e Presidente Prudente (58%) também estão entre as mais altas.
Gráfico 18 – Proporção de famílias em que houve preocupação que a comida acabasse antes de poder comprar ou receber mais comida nos últimos três meses
Regiões metropolitanas e grandes municípios, 2024, em %
Gráfico 19 – Proporção de famílias em que houve preocupação que a comida acabasse antes de poder comprar ou receber mais comida nos últimos três meses
Regiões administrativas, 2024, em %
Famílias em que a comida acabou
Em Guarulhos, 48% das famílias ficaram sem comida em suas casas antes de ter dinheiro para comprar ou receber mais comida. Também passaram por essa restrição 45% das famílias na Baixada Santista e 43% nos municípios de Osasco e Ribeirão Preto.
As maiores proporções, por RA, foram verificadas em Barretos (51%), Santos (45%), Presidente Prudente e São José do Rio Preto (43%).
Gráfico 20 – Proporção de famílias em que a comida acabou antes de ter dinheiro para comprar mais nos últimos três meses
Regiões metropolitanas e grandes municípios, 2024, em %
Gráfico 21 – Proporção de famílias em que a comida acabou antes de ter dinheiro para comprar mais nos últimos três meses
Regiões administrativas, 2024, em %
Famílias em que alguém pulou refeições
Em 28% das famílias da RM da Baixada Santista, alguém deixou de fazer alguma refeição por falta de alimento suficiente. Nos municípios de Osasco, Guarulhos e Ribeirão Preto, 27%, 26% e 25% das famílias, respectivamente, passaram por essa situação.
Na RA de Barretos, 32% das famílias tiveram essa restrição, 28% na RA de Santos e 26% na RA de Araçatuba.
Gráfico 22 – Proporção de famílias em que alguém deixou de fazer alguma refeição porque não havia alimento suficiente nos últimos três meses
Regiões metropolitanas e grandes municípios, 2024, em %
Gráfico 23 – Proporção de famílias em que alguém deixou de fazer alguma refeição porque não havia alimento suficiente nos últimos três meses
Regiões administrativas, 2024, em %
Famílias que passaram fome
Nas RAs de Barretos e Registro, 27% e 22% das famílias, respectivamente, passaram fome porque não havia comida ou dinheiro para comprar alimentos. A fome também atingiu 18% das famílias da RM da Baixada Santista e do município de Osasco e 17% em Ribeirão Preto.
Gráfico 24 – Proporção de famílias que passaram fome porque não havia comida nem dinheiro para comprar nos últimos três meses
Regiões metropolitanas e grandes municípios, 2024, em %
Gráfico 25 – Proporção de famílias que passaram fome porque não havia comida nem dinheiro para comprar nos últimos três meses
Regiões administrativas, 2024, em %
Famílias que receberam cesta básica
Em 2024, 22% das famílias em Guarulhos receberam cesta básica nos últimos três meses, mesma proporção que a registrada na RA de Marília. Na RM de Campinas, no município de Sorocaba e nas RAs de Barretos e Itapeva, 19% receberam cesta básica.
Gráfico 26 – Proporção de famílias em que alguém recebeu cesta básica nos últimos três meses
Regiões metropolitanas e grandes municípios, 2024, em %
Gráfico 27 – Proporção de famílias em que alguém recebeu cesta básica nos últimos três meses
Regiões administrativas, 2024, em %
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Percepção sobre Segurança Alimentar.
Notas
1. Para mais informações, consultar Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU).
2. Lei orgânica de segurança alimentar e nutricional (Losan), lei nº 11.346, 15/09/2006. Ver https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm. Acesso em: 30/09/2024.
3. No Brasil, a Escala de Medida Domiciliar de Insegurança Alimentar (Ebia) utiliza quatro categorias: segurança alimentar e insegurança alimentar leve, moderada e grave.
4. A pesquisa, realizada por telefone com Unidade de Resposta Audível (URA), entrevistou 3.831 pessoas com 18 anos e mais, entre julho e agosto de 2022; 14.605, entre julho e setembro de 2023; e 14.541 entre julho e setembro de 2024.
5. Programa federal de transferência de renda para famílias cadastradas. Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Fundação Seade. Ver: https://painel.seade.gov.br/cadastro-unico-e-auxilio-brasil-brasil. Acesso em: 01/10/2024