Em grande medida, a venda de bens e serviços depende da capacidade das pessoas de assumirem dívidas, ao parcelar seus gastos ou adiar seus pagamentos. Os compromissos assumidos, estejam em dia, ou em atraso, são considerados dívidas. Quando o nível de endividamento das famílias aumenta, é bem provável que haja algum reflexo no nível de consumo, pois parte do orçamento pessoal ou familiar estará comprometido com o pagamento de dívidas.
Nesse sentido, o endividamento excessivo pode interferir no ritmo de vendas na economia e, do ponto de vista das famílias, pode afetar não só seu padrão de consumo como, também, no caso de inadimplência prolongada, sua qualidade de vida e sobrevivência, pelo menor consumo ou por restrições ao acesso a alimentos, remédios, moradia adequada e uso de serviços essenciais, como água, gás e energia elétrica.
Com o objetivo de investigar a percepção da população paulista sobre o endividamento em suas famílias, a Fundação Seade passa a realizar anualmente a Pesquisa sobre Endividamento das Famílias1 no Estado de São Paulo.
59% das famílias têm dívidas, 35% estão inadimplentes, mas situação melhorou em relação a 2022
Em 2023, 59% das famílias no Estado de São Paulo estão endividadas, parcela igual à observada em 2022. O endividamento é menor na faixa de renda familiar mais alta (mais de 10 salários mínimos, com 46%) e maior naquelas famílias com renda de mais de 1 a 10 salários mínimos (62%). Territorialmente, o interior apresenta maior proporção de endividamento (61%) do que a Região Metropolitana de São Paulo – RMSP (57%).
Proporção das famílias que têm prestação, financiamento ou dívida, por região e faixa de renda familiar
Estado de São Paulo, abr.2022-jul.2023, em %
1. A pesquisa, realizada por telefone com Unidade de Resposta Audível (URA), entrevistou 3.704 pessoas com 18 anos e mais, em abril de 2022, e 3.635, em julho de 2023.
O pagamento em dia das dívidas foi apurado para 24% das famílias no Estado de São Paulo, uma melhora de 4 pontos percentuais em relação ao ano anterior; na RMSP o resultado foi ainda mais positivo, ao passar de 17% para 23%. Já entre aqueles que não pagam em dia, a proporção passou de 39% para 35%, entre 2022 e 2023.
A inadimplência, que atinge 42% das famílias com renda de até 1 salário mínimo nesse ano, diminuiu em quase todas as faixas de renda em relação a 2022, exceto na de mais de 10 salários mínimos, para as quais houve aumento, ao passar de 7% para 15%.
Distribuição das famílias, por região e faixa de renda familiar, segundo existência de prestação, financiamento ou dívida e condição de pagamento
Estado de São Paulo, abr.2022-jul.2023, em %
Maior atraso é com cartões de crédito, cheque especial e empréstimo pessoal
Em 84% dos casos de contas em atraso, os motivos são cartão de crédito, cheque especial ou empréstimos pessoais, com aumento de 2 p.p. entre 2022 e 2023. Nas famílias com mais de 3 salários mínimos, esse percentual é de 90%, mas o maior aumento ocorreu entre aquelas com até 1 salário mínimo (de 75% para 83%).
Os atrasos com pagamento de financiamento de imóvel ou de aluguel atingem 31% do total de famílias inadimplentes, registrando-se decréscimo de 5 p.p. em relação ao ano anterior.
Retração mais intensa ocorreu entre as famílias com renda de até 1 salário mínimo, ao passar de 39% para 30%.
O financiamento de automóvel é o motivo de atraso de 18% das famílias com inadimplência, sendo maior no interior e entre aquelas com mais de 1 até 3 salários mínimos (20% em ambos).
Proporção de famílias inadimplentes, com atraso no pagamento de cartões de crédito, cheque especial ou empréstimos pessoais, por região e faixa de renda familiar
Estado de São Paulo, abr.2022-jul.2023, em %
Proporção de famílias inadimplentes, com atraso no pagamento de financiamento de imóvel ou aluguel, por região e faixa de renda familiar
Estado de São Paulo, abr.2022-jul.2023, em %
Proporção de famílias inadimplentes, com atraso no pagamento de financiamento de automóvel, por região e faixa de renda familiar
Estado de São Paulo, abr.2022-jul.2023, em %
39% das famílias com atraso não sabem quando poderão pagar suas dívidas
Em 2023, para 29% das famílias com atraso em seus pagamentos, o tempo estimado para que possam colocar as contas em dia é de três meses a um ano. No entanto, 39% não têm ideia de quando poderão efetuar seus pagamentos, proporção que equivale a 42% na RMSP e 55% entre as famílias com renda de até 1 salário mínimo.
Quando o tempo de atraso é menor – até três meses –, as perspectivas de pagamento são melhores: 31% esperam pagar suas dívidas em até três meses e 32% no prazo de três meses a um ano. Esses percentuais se reduzem para 7% e 26%, respectivamente, entre as famílias com maior atraso – mais de três meses.
A mesma lógica vale para as famílias com melhor renda – mais de 3 salários mínimos –, uma vez que 20% delas preveem colocar as contas em dia em até três meses e 30% esperam fazer isso no período de três meses a um ano, enquanto para as famílias com renda até 1 salário mínimo, as proporções são de 10% e 21%, respectivamente.
Distribuição das famílias inadimplentes, por região, faixa de renda familiar e tempo de atraso, segundo previsão de colocar os pagamentos em dia
Estado de São Paulo, abr.2022-jul.2023, em %
Quase metade das famílias inadimplentes se considera muito endividada
Apesar da ligeira melhora do percentual de famílias que não estão pagando em dia suas dívidas (de 39% para 35% entre 2022 e 2023), a proporção daquelas que se consideram muito endividadas permaneceu igual (46%) nesse período.
Entre as famílias mais pobres – até 1 salário mínimo –, 57% se consideram muito endividadas em 2023, proporção 3 p.p. mais elevada que em 2022. Já entre as famílias com mais de 3 salários mínimos de renda essa percepção diminuiu de 49% para 37%.
A percepção de endividamento é maior conforme o tempo de atraso: a proporção de famílias que se consideram muito endividadas e as que têm atraso de até três meses é menor do que aquelas com atraso de mais de três meses (31% e 55%, respectivamente).
Distribuição das famílias inadimplentes, por região, segundo percepção do nível de endividamento familiar
Estado de São Paulo, abr.2022-jul.2023, em %
Proporção das famílias inadimplentes que se consideravam muito endividadas, por faixa de renda familiar e tempo de atraso
Estado de São Paulo, abr.2022-jul.2023, em %
58% das famílias mais pobres não conseguiram pagar alimentação e remédio e 76% tiveram que reduzir essas despesas
Apesar da menor proporção em relação a 2022, ainda há 27% de famílias no Estado que não conseguiram pagar em dia suas contas de água, luz e gás em um período de até seis meses.
Por faixa de renda familiar, 35% das famílias com menor renda não puderam fazer esse tipo de pagamento. Embora seja o percentual mais elevado, é, também, o que apresentou a maior redução (12 p.p.).
Entre as famílias paulistas que têm atraso no pagamento de algum tipo de dívida, 51% também não estavam pagando em dia os serviços públicos de água, luz e gás.
Proporção das famílias que não pagaram em dia contas de água, luz e gás da residência nos últimos 6 meses, por região, faixa de renda familiar e adimplência de dívidas
Estado de São Paulo, abr.2022-jul.2023, em %
A inadimplência é mais elevada quando se trata de despesas com alimentação e farmácia, pois 37% das famílias estavam em atraso há pelo menos seis meses em 2023. Essa proporção é de 58% entre as famílias com menor renda e de 54% entre aquelas que recebiam Bolsa Família, Bolsa do Povo, BPC ou outro programa de transferência de renda.
Para as famílias com atraso no pagamento em algum tipo de dívida, 63% não conseguiram pagar em dia esse tipo de despesa.
Proporção das famílias que não pagaram em dia despesas de alimentação e farmácia nos últimos seis meses, por região, faixa de renda familiar, recebimento de benefício por programa de transferência de renda (1) e adimplência de dívidas
Estado de São Paulo, abr.2022-jul.2023, em %
(1) Bolsa Família, Bolsa do Povo, BPC, ou outro programa de transferência de renda.
Como consequência dessas dívidas, em especial da inadimplência de maior prazo, 67% das famílias se viram obrigadas a diminuir despesas com alimentação ou remédios nos últimos seis meses.
Por faixa de renda familiar, 76% daquelas com até 1 salário mínimo e 72% com mais de 1 até 3 salários mínimos fizeram essa redução; essas parcelas são de 79%, entre as famílias que recebem auxílio de programas de transferência de renda, e de 86%, entre aquelas que não estão pagando em dia suas dívidas.
Proporção das famílias que precisaram diminuir despesas de alimentação ou farmácia nos últimos 6 meses, por região, faixa de renda familiar, recebimento de benefício por programa de transferência de renda (1) e adimplência de dívidas
Estado de São Paulo, abr.2022-jul.2023, em %
(1) Bolsa Família, Bolsa do Povo, BPC, ou outro programa de transferência de renda.
Apenas 21% das famílias conseguem guardar dinheiro
Embora tenha aumentado de 18% para 21% a proporção de famílias que conseguem guardar dinheiro, essa ainda é uma média baixa, que sintetiza níveis de renda muito desiguais: enquanto 62% das famílias com renda de mais de 10 salários mínimos têm condição de guardar dinheiro, apenas 10% daquelas com até 1 salário mínimo e 13% de 1 até 3 salários mínimos o fazem.
Proporção das famílias que conseguem guardar dinheiro ou fazer algum tipo de poupança, por região, faixa de renda familiar e adimplência de dívidas
Estado de São Paulo, abr.2022-jul.2023, em %
Em relação à forma de se obter crédito, 33% das famílias costumam recorrer a bancos ou financeiras (aumento de 4 p.p.), 18% a pessoas da família ou a amigos e 7% buscam outras formas de crédito. A maior parte, no entanto, costuma fazer uso de suas economias para financiar seus gastos (42%).
Usar o dinheiro que conseguiu guardar é mais recorrente entre os mais pobres (49%), provavelmente pela dificuldade em obter crédito no setor financeiro: apenas 18% o fazem; recurso usado por 43% das famílias com renda de mais de 3 salários mínimos.
Distribuição das famílias, por faixa de renda familiar, segundo forma de obtenção de crédito
Estado de São Paulo, abr.2022-jul.2023, em %
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Percepção – Endividamento das Famílias.